“Já estava com sono, mas, antes de dormir, decidi sonhar com algo nunca antes ensaiado. Queria ver por mais uma vez o símbolo do instante mais pleno por onde tive o prazer de atravessar.”
Isso foi quando certa esquina passou a ser uma novidade. Não era… nada físico – mas nem por isso menos vital: ele, talvez um simples homem, abraçava ali o costume de procurar as estrelas sempre que algum velho amigo o trazia de volta ao seu mundo de dores. De fato, algumas das viagens que o mantinham distante eram breves, é verdade, mas entre as esmolas trocadas e olhares de cômoda dó, sempre cuidava da certeza de que o tempo, em sua exatidão, nunca o deixaria só e distante dos sonhos de um livro qualquer.
Era aquilo…
e ponto.
Porém sempre faltavam artigos que definissem motivos. Motivos para expulsá-lo daquela cena diária e poeticamente humilhante – na qual se podia expectar com natural indiferença: via-se uma antiga cabine telefônica, daquelas de esquina, acolhendo uma alma acesa, inda que sem brilho… de tão surrada luz que nem adjetivos lhe cabiam mais. E como aquela vida, até então, desconhecia a magia banal de uma borracha, apenas aceitava ser escrava inconsciente do mistério que é viver no agora…
Pois era realmente impossível ser dono de algo quando até os sentimentos funcionavam por empréstimo.
E assim, então, observava – como um mórbido – a maior parte do seu agora, vendo a tinta azul desbotada ainda guardar a cola dos adesivos desmanchados pelo tempo. Era simples e igualmente estranho: sempre faziam de suas noites pouco iluminadas verdadeiras viagens pelo tempo.
Viagens…
… como as tantas feitas pelo telefone que ali ficava, onde só as marcas de um antigo suporte metálico – uma vez fixado – resistiram ao mundo para instigarem. Apesar de tudo, não eram capazes de contar mais do que o possível ano de sua fabricação.
Então, em alguma dessas, encontrei-o finalmente.
Aqui, uma breve intimidade: guardo, honestamente, a convicção de que não foi pela chuva morna ou pelo descuido de pensar ainda haver telefone ali. A necessidade era outra. Bati a covardia de noites findas até lá, com o diário de um garoto no braço, entrando e lhe entregando com simplicidade que ainda teima em espantar-me.
… Era o meu caminho para a simplicidade, e assim o foi:
Mal desrespeitava as primeiras distâncias quando um golpe levou forte turbulência aos meus juízos: Sorria. Notara – naturalmente – minha iniciativa, claro, mas o que julgava como forma intangível de um ser tornava-se mais e mais real à medida de meus passos. Continuei.
O diário que tinha era mesmo um pequeno livro de colorir, na verdade, testemunha de uma infância rica em… vermelho, verde e de vez em quando azul. Adorava-o. Tanto que encharcara suas páginas nos sentimentos mais ternos de nostalgia, ordinário a saudosistas como eu. Mas o fato era que o tinha e o julgava simples o bastante para alegrar alguém. Coisas de magias banais.
Após, então, divagar por não mais de uma dúzia de passos, seu sorriso passou a me acolher. Era o segundo golpe. Diante da cabine, parei: via em penumbra o seu mundo aberto diante de mim. As paredes citadas estavam lá, jogando sobre mim as histórias mais lindas que minha mente mal se esforçava em lembrar. Eram símbolos dos mais importantes, das banalidades mais essenciais que podemos guardar. Lá estava a tabuada do oito, guardando o sofrimento que tivemos para decorá-la; a melhor pipa do bairro, com a qual rasgamos todo o céu – e alguns dedos também; e as figurinhas mais raras do nosso álbum… as mais raras.
Parei. A passagem agora era de meus sentimentos. Fiquei, enquanto entravam por mim, e vi aquelas almas tão iguais e únicas se abraçarem como nunca. Vi-as destacando as páginas de colorir para completarem a outra parte da história. Colaram todas. Durante a magia, o mundo parecia cair lá fora, com a tempestade que se formara, mas estrelamos nossa noite na viagem mais bela… de todas.
Lembro sim de algumas frases trocadas, ordinariamente belas para o momento, mas não se faz necessário prosseguir. Aqui já conto toda uma essência – confusa aos olhos de alguns. Apenas nos separamos depois, pois cada um tinha uma vida a seguir. Estávamos verdadeiramente felizes com nossos rumos e não acredito que isso tenha mudado.
Larguei a frase no papel de notas quando já sentia saudades do fato que ocorrera. Sinceramente não sei falar sobre o tempo… um paradoxo que faz um conto valer por um único sorriso, de uma constância constantemente inconstante. Apenas penso que não paramos para entendê-lo simplesmente porque o mesmo não para, para ser entendido. Ele nos cede um espaço em si e, se devemos um único favor ao tempo, é o de não se deixar estar em branco.
Aqui, então, deixo o relato extremamente breve e simbólico, mas rico em sensações a cada espaço entre letras e pontos. Simples como deve ser a vida.
Ao homem, preencho o tempo em vida.
Breve vida
Vida de parágrafos.
Renan Barbosa Amaral
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