Eu não consigo parar de pensar em como a conheci. Parece que foi ontem. Estávamos sentados um ao lado do outro, esperando a senha da consulta aparecer seguida de um apito no painel que ficava acima da mesa da recepção. Não me lembro bem que médico era. Talvez um oftalmologista, um ortopedista, algo assim. Digo isso porque sempre me quebrava e usava óculos para ver de perto, então as chances são grandes.
Ela olhou para mim, com aquele olhar suave. Eu senti a olhada meio de relance e tentei olhar de volta disfarçadamente. Sem sucesso, amigo. Vocês sabem, aqueles olhares que se encontram sem querer e de repente se tornam embaraçados. Geralmente vem acompanhados de um tropeço na calçada logo em seguida. Comigo era assim. Dessa vez não foi diferente. Quando desviei meu olhar de volta para o livro que estava lendo, ele foi direto ao chão. Maldita falta de jeito. Se fosse um filme, ela teria dado uma risada, daquelas bem meigas e a gente começaria a conversar. Porém, a vida é bem chatinha de vez em quando, e ela simplesmente virou o rosto para o outro lado.
Eu me senti um merda. Como eu queria ter jeito com as mulheres. Ajeitei meu óculos e voltei a ler. Não conseguia mais. A vergonha alheia bloqueava minha capacidade de raciocinar sobre aquelas palavras diante de mim. Fiquei um pouco possesso comigo mesmo. Afinal, eu tinha motivos. Uma linda garota bem ao meu lado e eu não conseguia pensar em um jeito de puxar assunto. Se eu dissesse que foi ontem, acho que não mudaria muito, já que meu jeito continua igual.
Ainda falta um tempo para a minha senha. Espero ansiosamente para que ela vá antes de mim, assim eu posso no mínimo apreciar como ela se levantaria e iria caminhando até o consultório.
Eu sei, meio besta, mas é assim que eu funciono. Não sei olhar coisas bonitas sem apreciá-las. Toda a futilidade da beleza me encanta espantosamente. Não importa que tipo de beleza seja, lá estarei eu.
Sem me estender muito, minha senha chegou e eu levantei. Aí que o destino agiu a meu favor. Até agora eu só estava reclamando, mas naquele momento alguma coisa mudou ali. Ela levantou junto comigo. A gente se olhou com aquela cara de dúvida. Como assim? Essa senha é minha moça, não sua. Percebemos que a minha senha e a dela eram a mesma. Havia algum engano ali (havia mesmo, destino?). Eu pedi educadamente que ela fosse primeiro. Claro, eu sou ruim com elas, mas não a esse ponto. Ela disse que eu podia ir, não tinha problema. Insisti e ela entrou. Lá se vai meu amor de alguns minutos. Aquele entre vários que a gente tem na vida. Como pode alguém ser tão tonto como eu? Ah não.
O médico a atendeu, ela saiu. Coisa normal da vida. Só que ao vê-la saindo da sala e simplesmente descendo as escadas para ir embora, uma amargura subiu. Eu percebi que não tinha jeito para aquilo. Entrei e o doutor perguntou o que eu tinha. Só consegui falar:
– Doutor, eu não sei chegar em uma mulher. Que tristeza!
Vergonha. Essa era a definição do que eu havia feito. Esqueci o meu problema fisiológico para usar o doutor como um divã particular. Por que não ir a um psicólogo, não é? É. Eis que o querido doutor me responde:
– Aquela moça que acabou de sair, você diz? É minha vizinha. Eu diria que como o senhor é um paciente de confiança, eu poderia lhe dar alguma ajuda – E eu só consegui indagá-lo sobre o fato dele ser tão generoso comigo. E ele continou – Meu amigo, até o fracasso amoroso tem receita nessa vida.
Então eu recebi um papel dele, com o endereço de sua casa. Ele me pediu para ir lá qualquer dia, desde que eu desse uma ligada antes. Ali estava eu, um completo idiota, com alguma esperança na vida de que, aos trancos e barrancos, eu poderia achar alguém. É, eu estava curado.